domingo, 6 de outubro de 2013

Aqui do lado

Joanna, lá vai ela de novo descendo a rua de sempre. Com seu chinelo de macaquinhos. Olho para o relógio, e depois de quinze minutos ela sobe curvada sobre um saco de pão. Todos os dias ela faz isso, todos os dias eu narro este fato em minha mente, de maneiras diferentes.
Me lembro de uma manhã em que me atrasei e não vi Joanna, passei o dia querendo que chegasse a manhã seguinte. Alguns tem o vício de fumar, outros de beber, poucos de pintar ou cantar. Observar aquele momento era o meu.
As vezes ela levava Godô para passear, todos dizem que os cães se parecem com seus donos, bem, fisicamente eu não digo, mas eles andavam numa perfeita sintonia.
Geralmente aos domingos o cabelo dela ficava mais esvoaçante, até mais claro, talvez porque estivesse de ressaca, ou ainda pode ser que ela faça natação aos sábados, apesar de que todas as pessoas normais ficam estranhas no domingo.
Um dia depois de uma festa eu sonhei com ela, não, nada que pudesse entrar em sites proibidos, no sonho a gente estava num mercado barato comprando bananas. Dever ser de tanto olhar para o chinelo.
Não sou um sociopata, ela até me conhece, graças a essas graças da vida. Encontrei ela em plena Barra funda, e comecei a rir quando parei atrás dela na fila da passagem, ela me deu um''oi' feliz. Falamos sobre algumas besteiras, fiquei sabendo o nome dela, de novo, sou um ótimo fingidor.
Depois daquele episódio a gente se dava bom dia todos os dias. Mas só.
Acho que eu vi ela durante uns seis meses, eu percebia até quando ela estava naqueles dias, ou quando ela estava satisfeita, cansada, sabia até quando ela tinha batido a canela em algum móvel da casa.
Comecei a trabalhar no centro da cidade, e lá estava ela, no meu ônibus. Foi inevitável. Fiquei sabendo que ela tinha um irmão, que a mãe se chamava Norma, que seu sobrenome era Martins, que o pai morava na Argentina, e que ela tinha sardinhas. Ela também ficou sabendo a mesma coisa sobre mim.
 Joanna era incrível.
 Eu nunca mais fiquei observando ela descer a rua, nem podia mais imaginar como estava seu humor, e nem conseguia mais decifrar o nome das pessoas e animais que faziam parte de sua vida. Nunca mais vi Joanna. Mas ela ainda compra o pão todos os dias.
 Na frente do meu emprego tem o Sr. Luíz, dono de um barzinho que vende chá, eu vou lá todos os dias, ele conta umas estórias legais para o seu funcionário, e eles nem me percebem aqui, depois que eu paguei o chá.




Os acordes de ninguém - Luná Gonçá 

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