segunda-feira, 3 de abril de 2017

A parteira


Em passos afundantes pude sentir o sopro fervente da boca inchada que tentava falar, ela transparente cobriu-me de uma tinta permanente.
Mergulhei a fina pele em salmoura corrente, o arrepio deslizando eriçado deveria comover, não só a mim. Curvou-se no horizonte das águas calmas, diria seus lábios salivantes durante o calor marítimo que lhe traz a saciedade: - Não me faço entendível como o papel do pescador e do peixe, é só a fome e a sede. Gosto quando observo os anzóis envergando para a profundeza.
Ela está bem ao meio fio e ao seu redor todo este tribunal horripilante de belos corvos, onde as bocas são cegas, os olhos mudos e os ouvidos rudes. Nunca pudera entender sequer um livro e sobre o papel nenhuma ruga transcreveu, nem mesmo seu corpo conheceu.
O grande tribunal infartou quando dela, saíram bem do meio do peito, pássaros amarelos cegantes gritantes cuspindo em rasas e morgadas cabeças.
Seus cabelos viraram asas e bateram gloriosas e desprendidas:
- Nada mais farei, não esperes entendimento, triste pessoa, e tampouco vá buscá-lo, é necessário o não saber, palavras rudes sairão mesmo com iluminação, não se acanhe diante à destruição, não morra em vão, não regre o desejo ao pular.
Muitos ao frio dormirão, muitos estarão ao calor desesperador, e você, apenas transbordará sobre papéis.
Como num batismo, afundou minhas reclamações sobre os seres marinhos tão desconhecidos, era escuro, era belo, era o sono um apelo.
Vinham elas protegidas pelas pequenas bolhas enquanto a cabeça afundava, com as saias minúsculas e cintilantes elas me convidaram; - não se preocupe, a porta estará sempre aberta.
Senti a força bruta do afogamento, precisava da garganta cheia, puxou o pescoço entre as palmas e da raiva saiu o berro, do choro no beco a força da culpa a forca. Não saberás mais, sobre as brigas plantarão, e é capaz até, uma união, quem sabe um dia recordará da escuridão.
Abri os olhos aos berros e, aquele consolo inconsciente, esqueci sob o mar.

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