segunda-feira, 10 de março de 2014

O café da manhã



Hoje, mais um dia que meus olhos corriam em busca de alguma imagem que deixaria meu cérebro eufórico o suficiente para conseguir escrever sem cair no sono. E minha esperança estava ali: num mendigo que paralelamente desfrutava de seu café da manhã; um ovo.
Olhei-o de relance com medo de outros olhares também tediosos, então com aquela repetida sensação humana de pena, memorizei a cena.
Neste momento, meu ego preenchido por aquilo que agora eu poderia passar o dia todo pensando, comecei a anotar mentalmente:

“Coisas empolgantes e tristes se mesclando, algo que a física quântica, por exemplo, explicaria facilmente. A calçada era branca como a casca branca do ovo, e áspera como o olhar do homem devorado por mim, que por sua vez devorava do ovo. Que insignificância bela.
Uma gosma incolor percorria a boca do rapaz saciando sua fome também transparente. Ela escorria por algum túnel desconhecido e fazia com que seu pomo se parecesse a um elevador, subindo e descendo, sendo puxado por uma força, também transparente. Algo parecido com gravidade ou mecânica, não sei. Aquilo me fez enjoar como se estivesse num barco, no qual nunca estive, mas sempre me disseram que esta é a sensação.
De plano de fundo, ou wallpaper, como alguns dizem, havia um hospital, frio, como a temperatura ambiente do ovo, branco e quebrado como a conhecida casca, e com gemadas de sorrisos amarelos por dentro. Que belo mundo. ‘’

Resolvi dar um nome ao personagem, provavelmente amanhã o terei esquecido, mas por hora ele se chamava Martín, não, não tinha cara de Martín.

Eu olhava para o teto depois de todas as convenções do dia, ainda tentando achar o ponto final da brincadeira, e não o encontrava. Não encontrava um final que não fosse feliz, não achava um final que não fosse triste, quantas possibilidades caberiam no meio da tristeza e da felicidade? eu procurava um final, um final humanamente vazio.

‘’ E se, talvez agora, o chamando Martín (é incrível como apenas um nome mude tanto a forma como a figura se apresenta), atirasse o ovo em direção a alguma janela hospitalar, e por murphyania da vida ele acertasse algum paciente? Talvez assim ele fosse preso e comeria um omelete. Isso não seria um final feliz, ou talvez fosse pelo fato de não precisar mais receber olhares e participar sem direito de imagem em alguns cérebros, mas e se o final feliz fosse exatamente este? Finais, sempre complicados.

‘’ Num simples enquadramento ocular cabiam muitas pessoas, inclusive um vendedor de cachorro quente, com maionese a base de ovos, misturada a um creme de leite, mas não era possível ser visto a olho nu. Igual ao homem. Perdão, Martín.
E no cesto de lixo estavam... não, nem vou começar, haviam muitas outras cascas cheias de estórias. Preciso guardar algumas para os próximos e programados dias. ‘’

Mas no meio de tudo isso, que horror! Éramos todos assassinos, comendo um feto, um pinto não chocado. Só provoca choque quando dito assim. Deve servir para alguma coisa.
Sim, inclusive a mim, que me alimentei daquela cena.
Algo que morreu antes de nascer. Melhor ou pior?

Ele realmente se salvou de fazer parte de um livro bem bagunçado. Numa estante velha e cheia de pó. Que fica num quarto escuro, sem porta de entrada nem de saída.

Seriamos todos pintinhos não chocados, que ficam chocados por não entenderem nada sobre os Martín’s? Perdão, seres humanos. Humanos. Seres.


 Por que escrever tantas metáforas pra dizer o que todos sabem? Que tolice necessária.

Os acordes de ninguém - Lina Gonçá

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